Rodrigo Gonçalves (UFPR) fala de Lucrécio e de seu poema subversivo e terapêutico ao mesmo tempo, quase um livro de auto-ajuda. E de prazer e epicurismo, de sua formação clássica, de como foi ser professor de latim aos 23 anos, de quando surgiu a ideia do grupo Pecora Loca, de poesia, tradução, greves estudantis e heavy metal. Nada, portanto, é a morte pra nós, nem a nós diz respeito, uma vez que é mortal o ânimo por natureza. Como nos tempos pregressos, nada sofremos dos males dos avanços guerreiros púnicos de todo lado, todos sofrendo com trépido estrondo causado da guerra, horrificados, tremendo sob o éter sublime, sem saber a qual lado viria a vitória e o império sobre todos humanos e sobre os mares e terras, dessa maneira, quando não existirmos e quando o discídio de ânimo e corpo nos obliterarem, já que então não mais seremos, não mais sofreremos, nada, também, poderá comover sensações em nós mesmos, mesmo se terra e mar, ou mar e céu se fundirem. Mas, se, acaso, depois que, do corpo, for afastada a natureza do ânimo e a ânima ainda tiverem sensação, isso não nos importa, pois nós consistimos da conjunção de ânima e corpo que o ser unifica. Nem se as eras trouxessem de volta a nossa matéria muito tempo depois de morrermos, criando de novo como é agora, e a nós novamente as luzes da vida se restaurassem, pra nós nada disso faria sentido, já que as lembranças passadas em nós estariam perdidas. Já agora nada daquilo que fomos importa, nem nos afeta a angústia que sofremos outrora. Quando contemplas o imenso espaço de tempo passado e os inúmeros modos, conformações da matéria fácil será acreditar que as sementes das coisas, outrora, estas que formam agora aquilo que somos, já foram colocadas em ordem idêntica à forma que temos. Nem isso tudo podemos, porém, trazer à memória: já que interpôs-se uma pausa de vida e erraram vagando os movimentos dos sentidos por todos os lados. E se acaso houver no futuro dor ou tristeza, deve também haver alguém nesse mesmo período para sofrê-los. Como a morte o proíbe, eximindo da existência o que concentraria os incômodos, dores, nós podemos saber que nada é temível na morte e que não pode ser mísero quem não existe, e até mesmo nada difere se ainda não tivesse nascido ou se a vida mortal pela morte imortal foi tolhida. (Lucrécio. De Rerum Natura III.830-869, trad. R. Gonçalves)

Compartilhe nas Redes Sociais

98 – Ovídio

97 – Geropso

96 – Rainha Tiye

95 – Marcial

94 – Lisístrata

93 – Fedro, o fabulista

92 – Cleópatra da Macedônia

91 – Perseu

90 – Dhuoda

89 – Teofrasto

88 – Boudica

87 – Teógnis de Mégara